MP, MPF e Defensorias acionam Justiça para restabelecimento imediato de procedimentos cardiovasculares no RN


Cirurgias estão suspensas desde setembro no estado e há mais de 70 pacientes internados à espera de cateterismo, além de 34 crianças que aguardam na fila. Falta de recursos é entrave. Hospital de Campanha de São Gonçalo do Amarante na Grande Natal Covid-19 UTI leitos clínicos Rio Grande do Norte aparelho saturação
Sandro Menezes
Uma Ação Civil Pública protocolada nesta terça-feira (31) pede o restabelecimento imediato da assistência cardiológica de média e alta complexidade na rede pública de saúde do Rio Grande do Norte.
A ação conjunta dos Ministérios Públicos do RN e Federal e das Defensorias Públicas do RN e da União foi distribuída para a 1ª Vara Federal de Natal.
De acordo com os órgãos, os procedimentos nos dois hospitais conveniados com o SUS em Natal (Hospital Rio Grande e Hospital do Coração) estão suspensos desde a segunda quinzena do mês de setembro. O motivo é o teto financeiro estabelecido no recebimento de recursos federais, que foi ultrapassado em agosto, impossibilitando novas cirurgias.
Em outubro, o Hospital Universitário Onofre Lopes (HOUL) também parou de realizar os procedimentos cardiovasculares por falta de insumos, o que, segundo as instituições, piorou o cenário na capital potiguar.
Atualmente, segundo o Ministério Público do RN, há pelo menos 71 pacientes internados – sendo 41 idosos – em unidades de saúde do estado à espera de cateterismo e mais de 180 pacientes aguardam para realização de cirurgias cardiológicas eletivas.
“Essas situações, muito mais que urgentes, são emergenciais. São pacientes que estão internados. E isso impede também a rotatividade dos leitos, prejudicando a assistência de outras linhas de cuidado. Neses últimos 15 dias, as demandas judiciais aumentaram bastante em razão dessa situação”, explicou a defensora pública Cláudia Queiroz, coordenadora do Núcleo de Saúde da Defensoria Pública.
Os órgãos entendem que há também, neste momento, uma limitação das ações do Estado e do Município – que também respondem à ação – por falta de recursos suficientes, já que o teto já foi atingido. E esse foi um dos motivos de acionar diretamente o Poder Judiciário.
“Nós percebemos que o obstáculo financeiro estava praticamente intransponível para o orçamento sanitário de Natal. E precisávamos implicar a União para que ela chegasse, considerando que o direito à saúde é garantido pela Constituição de forma solidária pelos três entes”, explicou a promotora de Defesa da Saúde do MPRN, Iara Pinheiro.
“A realidade é que, para se garantir esse atendimento e para se restabelecer o fluxo assistencial para os pacientes SUS, é preciso mais recursos. Da União, do Município de Natal, e do Estado do RN”, completou.
A avaliação dos órgãos é que é necessário subir o teto em pelo menos R$ 47 milhões para o Estado.
“Esse aumento de teto inclusive já ocorreu em outros estados da federação, então é preciso que o Ministério da Saúde também se debruce sobre a situação do RN, porque existe uma defasagem muito grande na tabela SUS, que é fixada pelo Ministério da Saúde, então tudo isso precisa ser avaliado pelo Ministério, para que o estado e o municípío obtenham o cofinanciamento do valor necessário para que a oferta se dê de forma regular”, availou a defensora pública Cláudia Queiroz.
O que dizem as secretarias
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap), informou que o processo surgiu “de uma demanda apresentada pelo próprio órgão aos autores da ação no dia 20 de outubro”. No ofício, a Sesap, fez um relatório sobre as dificuldades de acesso dos pacientes potiguares a procedimentos cardiológicos e também neurocirúrgicos, que já são alvo de outra ação, e oncológicos.
“Todos esses procedimentos são realizados a partir de contratos que são geridos pelo município de Natal e cofinanciados pela Sesap. Em setembro, os contratos atingiram o limite e a gestão do município não autorizou a realização de procedimentos além do teto estipulado”, informou a nota.
A Sesap disse ainda que “garante o apoio técnico e financeiro para transferência dos pacientes, assim com o processo de regulação com a priorização das pessoas mais necessitadas e “aguarda que a situação se resolva da maneira mais rápida possível, confiando na celeridade e presteza da Justiça”.
A reportagem procurou também a assessoria da Secretaria Municipal de Saúde de Natal (SMS), mas não teve respostas até a atualização mais recente desta reportagem.
Crianças na fila
Além da fila para cirurgias cardiológicas, há 34 crianças com patologias congênitas também no aguardo de procedimentos, de acordo com a Associação Amigos do Coração da Criança (Amico).
Um desses casos é a da bebê Diana Eloá, de oito meses, que foi diagnosticada nos primeiros dias de vida com sopro no coração e iniciou o tratamento.
Ao seis meses, o estado clínico piorou e passou a ser necessário um procedimento cirúrgico. Desde então, ela está na fila de pacientes, mas ainda não conseguiu marcar a data na rede pública.
“Eu ia mensalmente [para consultas]. De uns meses para cá, ela entrou na lista de espera para a cirurgia. Eu espero que isso melhore. Que ela faça a cirurgia e fique bem”, disse a mãe da bebê Diana, Aline Almeida Nascimento.
Diana Eloá e a mãe
Reprodução/Inter TV Cabugi
Do total, são 21 crianças menores de 5 anos aguardando cirurgia cardíacas, incluindo dois recém-nascidos – um há três semanas e outro há cinco dias no aguardo.
Entre os pacientes adultos internados, 18 estão em UPAs atualmente esperando um procedimento cirúrgico.
“A situação realmente mais dramática hoje são de pacientes, em sua grande maioria idosos, que estão internados em UPAs e hospitais e regionais do estado do RN, que sequer tem condição de aguardar pelo procedimento em casa, dada a vulnerabilidade dos quadros clínicos”, disse a promotora Iara Pinheiro
Pedidos de judicialização aumentam
De acordo com a coordenadora do Núcleo de Saúde da Defensoria Pública do RN, Cláudia Queiroz, em outubro mais pacientes buscaram o direito aos procedimentos cirúrgicos através de ações judiciais.
“A Defensoria Pública, desde o mês de setembro, vinha recebendo demandas individuais relativas a essas situações”, disse.
“Diariamente temos recebido demanda de pessoas idosas, que aguardam por cateterismo cardíaco e que estão nas UPAs. Já foram mais de 50 demandas individuais, o que por si só já demonstra a gravidade da situação”.
Cláudia Queiroz, defensora pública do RN
Divulgação
De acordo com a promotora Iara Pinheiro, o teto financeiro atual no estado não é suficiente para realizar todos os atendimentos necessários. “Não é aquele volume de recursos necessário para garantir atendimentos sem interrupção, sem suspensão como está acontecendo agora”, conta.
Ela lembra que o problema é recorrente. “Sempre quando se aproxima o fim do ano, existem essas dificuldades, mas esse ano tem sido um pouco mais urgente. E o teto financeiro contratual impede que toda a demanda seja atendida até o fim do ano”, disse.
“Desde o fim do ano apssado, os gestores mostraram à União que o Município de Natal, respondendo por um atendimento que é pra praticamente todo o estado do RN, está tendo um gasto bastante elevado em relação ao que ele recebe de repasses federais”, disse a defensora pública Cláudia Queiroz.
Urgência no pedido
A urgência atestada para a realização das cirurgias culminou na Ação Civil Pública conjunta após uma análise inicial do cenário por partes das instituições.
“Nós não tivemos uma resposta que nós consideramos suficientes para regularizar a assistência para essas pessoas. Então, foi necessário o ajuizamento dessa ação de extrema urgência, tanto que tem um pedido de liminar, para que a gente consiga restaurar o atendimento o mais breve possível”, explicou a coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Saúde, a promotora Rosane Moreno.
O defensor público da União André de Albuquerque explicou que o Ministério da Saúde sinalizou a liberação de cerca de R$ 10 milhões para seguimento desses procedimentos, mas que não era mais possível esperar diante das necessidades do pacientes e, por isso, foi necessário ajuizar a ação.
Hospital Rio Grande, em Natal
Sérgio Henrique Santos/Inter TV Cabugi
“A gente, por meio das trativas administrativas, ainda tinha esperança que a atuação extrajudicial poderia resolver a questão. Infelizmente não foi o caso. Mesmo com a preocupação dos entes municipal e estadual, e até mesmo com o Ministério da Saúde, nós vimos que não poderíamos aguardar mais”, disse.
“A situação é periclitante, desesperadora, os relatos nos sensibilizam muito. A gente não poderia ficar aguardando o tempo administrativo”, finalizou.
Apesar do pedido direcionado à União para o aumento de recursos, a promotora Rosane Moreno vê também a necessidade de Estado e Município atuarem de forma a garantir o retorno imediato e integral desses procedimentos.
“Continuamos aqui nesse apelo ao governo do RN e município para que, ao menos de forma urgente, independente dos demais pedidos dessa ação, que vai garantir o atendimento mais fortalecido nessa lei de cuidado, pra que a gente possa nos próximos dias restabelecer esse atendimento em sua integralidade”.
Outros pedidos
Outros pedidos que constam na Ação Civil Pública são:
determinar aos prestadores contratualizados que restabeleçam a realização dos procedimentos cardiológicos, sobretudo nos casos de urgência e emergência, observando os critérios de classificação de risco e a prioridade legal de atendimento;
que o Estado, através da SESAP, preste o apoio técnico e financeiro necessário para transferência devidamente dos pacientes, com observância dos critérios de classificação de risco e da prioridade dos idosos, crianças e adolescentes, que estejam internados em unidades da rede SUS;
que a União, através do Ministério da Saúde custeie 50% dos atendimentos e procedimentos cardiológicos “extra teto contratual” realizados pelos prestadores;
que a Ebserh/Huol adquira os materiais e insumos necessários para retomada dos procedimentos cardiológicos de natureza eletiva para os usuários do Sistema Único de Saúde.
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