Desastre ambiental em santuário do Rio Piracicaba: quatro meses depois, multa milionária não foi paga e MP prepara parecer técnico


Usina apontada pela Cetesb como origem de poluição que matou 235 mil peixes diz que acusações são injustas e recorreu contra multa de R$ 18 milhões. Recurso segue sob análise. Mortandade de peixes chega ao Tanquã, em Piracicaba
Edijan Del Santo/EPTV
Quatro meses após um desastre ambiental matar 235 mil peixes em um santuário de animais no Rio Piracicaba, a multa de R$ 18 milhões aplicada à Usina São José (USJ), apontada pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) como a origem do poluente que desencadeou a mortandade, ainda não foi paga.
De 235 mil peixes mortos a multa de R$ 18 milhões: veja raio x do desastre ambiental em santuário de animais
Segundo o órgão ambiental, a empresa entrou com recurso sobre a multa aplicada, que ainda está sob análise. As multas da Cetesb são emitidas com 35 dias de prazo para pagamento. O prazo de recurso é de 20 dias após a notificação da infração ou indeferimento do recurso.
Imagens aéreas mostram milhares de peixes mortos no Tanquã após despejo irregular de usina
A agência explicou que a empresa tem garantidas as seguintes possibilidades de defesa:
Recurso administrativo de primeira instância;
Recurso administrativo hierárquico;
Recurso no âmbito judicial.
“A Cetesb cobra administrativamente as multas após 30 dias da ocorrência do trânsito em julgado administrativo [quando não é mais possível recorrer]. Se o débito não for quitado, é inscrito no Cadin [Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal], protestado e inscrito na dívida ativa. […] Na dívida ativa, acontece a ação judicial onde pode ocorrer até a penhora de bens”, detalhou o órgão.
Tanquã é considerado um santuário de animais
Edijan Del Santo/ EPTV
MP vai realizar análise técnica
Paralelamente ao procedimento da Cetesb, o caso também é investigado pela polícia e pelo Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público (MP-SP).
Em 17 de outubro, o promotor Ivan Carneiro Castanheiro, do Gaema, pediu um parecer técnico sobre o caso ao Centro de Apoio à Execução (Caex), órgão que dá suporte técnico-científico às investigações do MP. O prazo definido para conclusão é de 20 dias.
Foi solicitado ao órgão técnico, entre outras informações, uma avaliação dos danos ambientais gerais, não somente em relação à mortandade de peixes, mas também na flora e toda a fauna aquática e terrestre.
Imagem em relatório da Cetesb aponta de onde saiu poluente e caminho dele até ribeirão
Reprodução/ Cetesb
‘Indícios de reparo posterior’
Também foi requisitado ao Caex um exame pericial dos tanques de armazenamento de melaço e de águas residuárias, bem como das estruturas hidráulica condutoras de melaço e das águas residuárias, existentes na Usina São José.
O promotor quer saber o estado de conservação dos encanamentos, se há vestígios de rompimento nessa tubulação e nos tanques de armazenamento de melaço, e que também seja apurado possível reparo em um dos tanques após o incidente de vazamento.
“Há indícios de que no tanque metálico em que ocorreu o vazamento houve reparo posterior ao evento, com soldas, depois envelhecida para fins de dissimular os reparos recentes (efetuar exames ‘in loco’ e nas fotografias constantes dos autos)”, diz Carneiro.
Mortandade na APA do Tanquã é a maior registrada, segundo pescadores
Jefferson Souza/ EPTV
Investigação policial
O promotor solicitou à Polícia Civil que sejam colhidos depoimentos de funcionários da usina de plantão na noite do extravasamento e no período diurno seguinte, que seja investigado quais são as medidas adotadas para conservação da estrutura de gestão do melaço pela usina, e se houve continuidade ou não do funcionamento da indústria quando surgiam problemas em sua estrutura.
A Promotoria apura, ainda, a relação de negócios entre duas empresas com unidades na região e o Grupo Farias, do qual a Usina São José faz parte.
Faixa branca em meio à vegetação é formada por milhares de peixes mortos após descarga de poluente no Rio Piracicaba
Jefferson Souza/ EPTV
Usina fala em acusações ‘indevidas e injustas’
Em nota, a Usina São José (USJ) reiterou que “as acusações de responsabilidade sobre o incidente de mortandade de peixes ocorrida no dia 08/07/2024 são indevidas e injustas”.
A empresa apontou que a mortandade de peixes é um problema crônico na bacia do Rio Piracicaba, e que é decorrente da “má qualidade histórica e documentada das águas na região, agravada por diversas fontes de poluição locais até hoje existentes e completamente ignoradas”.
Tanquã abriga cerca de 170 espécies de aves nativas e migratórias, além de mamíferos, répteis e anfíbios
Katiucia Medeiros
“O processo de investigação, ao contrário do que a boa técnica exige, não foi conduzido a partir da análise dos fatos, mas sim com uma busca precipitada por um suposto culpado, o que resultou na aplicação de uma multa desproporcional contra a USJ, a partir de uma legislação inaplicável ao caso concreto. A empresa contestou veementemente essa penalidade e apontou inconsistências jurídicas e técnicas na autuação”, acrescentou.
A USJ sustentou que todos os documentos e provas que apresentou até o momento não foram devidamente analisados pelas autoridades.
“A empresa defende o respeito ao princípio da presunção de inocência, constitucionalmente garantido, e reitera que todas as acusações devem ser provadas antes de qualquer julgamento definitivo. A USJ seguirá com sua defesa nos canais administrativos e confia que a verdade prevalecerá, respeitando o devido processo e as garantias legais. E, ciente de suas responsabilidades, reafirma seu compromisso com o meio ambiente e com as boas práticas de gestão ambiental”, concluiu.
Milhares de peixes mortos no Rio Piracicaba
g1
Raio x do desastre
253 mil peixes mortos: A estimativa é da Cetesb. Em peso, a agência fiscalizadora estima que são, pelo menos, 50 toneladas de peixes.
Nível zero de oxigênio: Análises da Cetesb constataram nível zero de oxigênio dissolvido na água (OD) ou próximo de zero, o que torna impossível a sobrevivência de animais aquáticos.
Forte odor, espuma e água escura: Entre as características na água estão um forte odor característico de materiais industriais orgânicos, coloração escura da água e presença de espuma.
70 quilômetros de extensão: De acordo com relatório da Cetesb, a mortandade de peixes se estendeu por um trecho de 70 quilômetros, desde a foz do Ribeirão Tijuco Preto até a Área de Proteção Ambiental (APA) Rio Piracicaba-Tanquã.
10 dias de duração: A Cetesb detalha que os efeitos da carga poluidora no Rio Piracicaba foram percebidos por cerca de dez dias.
APA atingida equivale a 14 mil campos de futebol: A área de proteção do Tanquã, onde foi registrado o maior número de peixes mortos, ocupa uma área de 14 mil hectares, equivalente a 14 mil campos de futebol, nas cidades de Anhembi, Botucatu, Dois Córregos, Piracicaba, Santa Maria da Serra e São Pedro, no interior de São Paulo.
Santuário tem ao menos 735 espécies: Segundo o professor de ecologia da Esalq/USP Flávio Bertin Gandara, a APA do Tanquã é um santuário de animais porque eles encontram nela alimento e abrigo para se reproduzir. Também há mais de 300 espécies de plantas.
50 pescadores afetados: Entre Piracicaba e São Pedro, a colônia de pescadores tem cadastrados pouco mais de 50 pescadores que dependem do rio para viver, segundo representante do grupo.
R$ 18 milhões em multa: Além de ser considerada a poluição das águas e a mortandade dos peixes, no cálculo da multa, segundo a Cetesb, também foi considerado que empresa deixou de comunicar a ocorrência e que houve danos em uma área de proteção ambiental.
9 anos para recuperação: Segundo o analista ambiental Antonio Fernando Bruni Lucas, serão necessários até nove anos para a recuperação da quantidade de peixes no Rio Piracicaba.
Pescadores relatam reflexos de mortandade de peixes na APA Tanquã, em São Pedro
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