De preto e vermelho e entre lápides, casal oficializa união no cemitério em Sumaré: ‘É onde a gente recomeça’


Organizado de última hora, casamento entre Healing e Heryck ocorreu na manhã deste domingo (3). VÍDEO: casamento em cemitério de Sumaré tem muito preto e vermelho, e ‘sim’ entre lápides
Até que a morte os separe. A frase está em livros, contos, filmes. É só esperar pelo último capítulo da novela para ouvi-la na união entre os protagonistas. Mas o que acontece quando o casamento vai onde os outros terminam?
Em Sumaré (SP), um casal escolheu o que pode ser considerado o “ponto final” das relações “tradicionais” para marcar o início de sua história. Os noivos disseram “sim” um ao outro entre lápides, cruzes e velas no Cemitério da Saudade, na manhã deste domingo (3).
“Como eu faço bastante trabalho dentro do cemitério, eu já me sinto ali. Uns dizem que é o fim, que é um lugar de tristeza. Eu não, eu já me sinto bem. Pra mim, o cemitério é onde a gente recomeça. Então a morte não é o fim, é um recomeço”, diz a noiva, mãe Healing, de 38 anos.
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Heryck e Healing se casaram no Cemitério da Saudade, em Sumaré (SP), neste domingo (3)
Estevão Mamedio/g1
Organizado de “última hora”, uma vez que o casamento no cemitério foi idealizado na noite de quarta, a cerimônia contou com cerca de 30 convidados – além de olhares curiosos, mas distantes, de quem foi ao local para visitar túmulos ou participar de um sepultamento.
O preto e o vermelho deram o tom da cerimônia, principalmente no vestuário dos noivos. No altar, as imagens de Rosa e Exu Caveira, entidades que regem o terreiro Rosa Caveira e Maria Padilha, que o casal comanda em Hortolândia (SP).
“São os nossos guardiões. O ponto de força, que é o cemitério, é o ponto deles, né? Na nossa religião, isso é muito importante. Eu tenho a mania de dizer assim: quando eu tô me sentindo morta, eu vou no cemitério pra me sentir viva. Porque ali é onde eu sinto a força da minha entidade de frente, né?”, explica Healing.
Cerimônia de casamento de Heryck e Healing foi organizada ao lado de lápides do Cemitério de Saudade, em Sumaré (SP)
Estevão Mamedio/g1
Quem comandou a cerimônia cercada por lápides foi Jhefrey, de 19 anos, filho de Healing, e pai de santo do terreiro. O jovem até seguiu o roteiro que havia preparado, mas deixou a emoção aflorar em muitos momentos.
Em cerca de 15 minutos, sempre acompanhados pelo som do atabaque e cantos, Heryck, de 36 anos, e Healing, trocaram os votos e formalizaram a união na religião que seguem – o casamento civil está marcado para dia 13.
Umbanda independente?
Durante a cerimônia, o casal enfatizou o termo “umbanda independente” para explicar a linha de trabalho do terreiro que eles comandam, e para justificar a escolha pelo cemitério, as cores e tudo mais que acompanhou o casamento.
“A diferença que eu coloco é porque a maioria das pessoas que casam na umbanda eles procuram casar de branco, em cachoeira e tal, né? E dentro de mim tinha essa vontade de casar de preto e dentro do cemitério, porque como eu sou filha de Rosa Caveira, então a minha essência é muito esse lado”, disse a noiva.
Healing, que também marca presença nas redes sociais como “rainha da feitiçaria”, conta que sempre mexeu com magia, e que costuma compartilhar o dia a dia de uma mãe de santo e também ensinar magias aos seguidores, além de captar contatos para trabalhos espiratuais.
“O que viraliza mesmo são os ensinamentos de simpatia. Eles gostam muito disso. Aí através disso vem pedido de trabalho. Porque tem gente que tem medo de mexer com a espiritualidade. Então eles vem e chamam no particular, e pedem por esses trabalhos. [Em sua maioria] trabalhos amorosos, aberturas de caminho, trabalhos de separação. Principalmente separação e amarração amorosa”, diz.
Casamento realizado no Cemitério da Saudade, em Sumaré (SP), neste domingo (3)
Fernando Evans/g1
Entidade diverge
Embora classifique a religião que segue como “umbanda independente”, o nome não é reconhecido pela Associação Umbandista e Espiritualista do Estado de São Paulo (Aueesp).
Ao g1, o babalaô Ronaldo Antônio Linares, presidente da federação umbandista do Grande ABC, mantenedora do Santuário Nacional da Umbanda, diz que “não existem diferentes umbandas”,
“A Umbanda foi criada em 1908 por Zélio Fernandino de Moraes. É uma religião espírita voltada para a prática do bem e da caridade. Nós não entendemos por que razão chamam de umbanda a uma prática que nós não podemos reconhecer como tal. Não existem diferentes umbandas. Umbanda é uma só para todo mundo, então não há razão nenhuma de ser, de chamarem essa prática espúria de umbanda, dependente ou não dependente, não existe isso.”
O decano da Aueesp defende o uso da expressão umbanda “simplesmente para determinar uma religião que nasceu sob o espírito da igualdade, da prática da igualdade”.
“O caboclo das sete encruzilhadas que criou a Umbanda foi bem claro quando disse numa mesa kardecista, por que é que vocês não recebem aqui espíritos de pessoas que não foram importantes? Foi a procura pela igualdade, mas essa igualdade não significa a deturpação, isso pode ser qualquer coisa, só por favor não chamem isso de umbanda”, completou.
Membro do Conselho Religioso da Associação das Comunidades Tradicionais de Matriz Africana de Campinas e Região (Armac), João Galerani reconheceu que há uma diversidade grande uma vez que não há um órgão regulador.
“A umbanda, diferente de outras religiões, não tem um livro sagrado ou uma bíblia. Temos várias vertentes que seguem sua ritualística com as bases da umbanda, principalmente a caridade e não cobrança nos atendimentos. Também não temos um órgão regulador, então a diversidade é muito grande.”
O noivo Heryck, de 36 anos, aguarda a chegada da noiva no altar montando entre lápides do Cemitério da Saudade em Sumaré (SP)
Estevão Mamedio/g1
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