Paciente que fez cirurgia desnecessária após falso laudo de câncer diz que ‘maior cicatriz foi psicológica’


MP denunciou Carolina Biscaia por estelionato, falsificação de documentos, lesão corporal e exercer atividade ou anunciar que a exerce sem os requisitos necessários. Defesa diz que médica ainda não foi intimada e que busca esclarecer os fatos. Delegado fala sobre conclusão de inquérito contra médica que falsificava laudos falsos
A servidora pública Samira Schwade Pereira, de 34 anos, uma dos mais de 30 pacientes que denunciaram a médica Carolina Fernandes Biscaia por emissão de laudos falsos e procedimentos desnecessários relatou ao g1 os danos físicos e psicológicos sofridos.
A médica é de Pato Branco, no oeste do Paraná, e foi denunciada nesta segunda-feira (28) pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR) pelos crimes de estelionato, falsificação de documentos, lesão corporal e exercer atividade ou anunciar que a exerce sem os requisitos necessários. A denúncia é referente a 38 vítimas e a Justiça ainda não decidiu se aceita, ou não, a denúncia.
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“A cicatriz na perna está grande. O procedimento feito pela médica foi em janeiro e ainda tenho hematoma ao redor da região que foi feita a ampliação de margem desnecessária, mas maior do que a cicatriz física foi a psicológica. Na verdade, essa ainda não cicatrizou”, afirmou a mulher.
Mulher passou por retirada de possível material cancerígeno após apresentação de falso laudo médico
Arquivo pessoal
“Fiz várias sessões de psicoterapia e ainda estou em tratamento medicamentoso, fazendo uso de medicamento controlado para melhorar dos danos psicológicos”, relatou a vítima ao g1.
Samira e os demais pacientes acusam a médica de emitir falsos laudos de câncer de pele e indicar cirurgias desnecessárias.
Biscaia começou a ser investigada em março, quando pacientes suspeitaram de procedimentos cirúrgicos solicitados por ela. Pelo menos 31 pessoas formalizaram denúncia à Polícia Civil (PC-PR) que indiciou a médica no dia 21 de outubro.
“O sentimento é de que a justiça começou a ser feita. […] Agora fica a esperança de que ao final do processo criminal, a médica de fato, seja condenada pelos crimes praticados e, principalmente, que seja impedida de continuar atuando”, afirmou Samira ao g1.
Médica Carolina Fernandes Biscaia Carminatti, de Pato Branco
Redes sociais
Em nota, o advogado Valmor Antonio Weissheimer, que atua na defesa da médica, afirmou:
“A minha cliente sequer foi intimada, para exercer o direito ao contraditório; A Defesa encontra-se preparada com todas as teses defensivas, visando o esclarecimento dos fatos”, diz trecho da nota.
Desde maio, uma Interdição Cautelar Total de 180 dias determinada pelo CRM-PR e aprovada pelo Conselho Federal de Medicina impede a médica de exercer a profissão.
Áudio revela médica comemorando retirada de melanoma
Médica suspeita de emitir laudos falsos de câncer de pele comemora retirada de melanoma
Um áudio obtido com exclusividade pelo g1 Paraná em março deste ano, e que consta no inquérito encaminhado à Justiça, mostra o momento em que a médica Carolina Fernandes Biscaia Carminatti comemorou a retirada de um falso melanoma – tipo de câncer de pele mais agressivo – de Samira. A conversa foi gravada pela vítima em janeiro de 2024. Ouça o áudio acima.
“Não sei se você é católica ou não, mas passa na igreja agradece a Deus, tem coisas assim que a gente tem que agradecer, sabe? Tem que agradecer, porque, como eu disse, a chance de pegar assim (melanoma), nesse estágio de que a gente só amplia a margem e está curada, é uma dádiva […]. Não precisa se preocupar com metástase”, afirmou a médica.
Samira conta que fez a gravação por precaução, pensando em repassar o material aos familiares, uma vez que ela teve melanoma em 2013 e este se tornou um tópico de preocupação. Ela pagou mais de R$ 5 mil à medica pelo procedimento.
A vítima contou que descobriu o falso diagnóstico após encontrar inconsistências no laudo apresentado por Carolina comparando com o documento retirado por ela diretamente no laboratório. Veja imagem a seguir:
À esquerda, laudo laboratorial, à direita, laudo apresentado pela médica para paciente
Arquivo pessoal
Depois da descoberta, a gravação e o laudo falso passaram a ser provas para a investigação da Polícia Civil que indiciou a médica.
“O indiciamento por parte da Autoridade Policial e a denúncia por parte do Ministério Público, já era algo esperado, primeiro porque são Instituições comprometidas em apurar crimes e, segundo porque eu sabia as inúmeras provas que eu tinha apresentado na delegacia e, assim como eu, as outras vítimas”, afirmou Samira.
Vítimas gastaram mais de R$ 130 mil
Conforme o delegado, as investigações identificaram que a médica examinava pintas e manchas dos pacientes e afirmava que algumas poderiam ser cancerígenas. Ela, então, fazia retirada de material e encaminhava para laboratório.
De acordo com a polícia, na reconsulta, ela apresentava ao paciente um laudo falso com diagnóstico de câncer de pele. O delegado disse que a falsificação era feita com máquina de xerox, no próprio consultório.
Além disso, a investigação apurou que documentos falsos eram colocados sobre os verdadeiros e, com a ajuda do equipamento, eram criadas novas versões de laudos.
As mais de 30 vítimas que denunciaram a médica Carolina Fernandes Biscaia gastaram mais de R$ 130 mil com cirurgias após falsos laudos de câncer de pele dados pela médica, afirmou o delegado Helder Lauria.
Além de emitir falsos laudos da doença, ela também indicou as cirurgias desnecessárias que totalizaram o valor indicado pela polícia. Conforme investigação, alguns procedimentos, individualmente, custaram R$ 13 mil.
Em março deste ano, o Conselho Regional de Medicina de Paraná (CRM-PR) puniu a médica com a chamada “censura pública” por anunciar ter especialidades que não possui.
Em consulta ao site do conselho, através dos números de registro profissional da médica no Paraná e em São Paulo, não são encontradas especialidades atribuídas à Biscaia. Nas redes sociais, a médica afirmava ser dermatologista.
Questionado pelo g1, o CRM-PR disse ter realizado todos os procedimentos investigativos e que os processos tramitam sob sigilo ético profissional, previsto no código de ética.
“Caso seja identificada alguma irregularidade, e que seja comprovada a violação da ética profissional prevista no Artigo 22 da Lei n° 3268/57, as punições vão desde advertência até a cassação do exercício profissional”, afirmou a organização.
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