Túmulo de santa popular atrai devotos em Ponta Grossa; conheça a história de Corina Portugal


Jovem foi vítima de feminicídio em 1889 e tem devolução popular de centenas de fiéis, apesar de não ser reconhecida como santa pela igreja. Túmulo de santa popular atrai devotos em Ponta Grossa
Corina Portugal é considerada uma santa popular, ainda que não seja formalmente reconhecida pela igreja. O túmulo dela fica no Cemitério Municipal São José, em Ponta Grossa, nos Campos Gerais do Paraná, e atrai devotos pela fama de atender aos pedidos dos fiéis. Veja imagens acima.
As preces são direcionadas à jovem assassinada aos 20 anos, vítima de feminicídio – quando o crime ainda estava longe de ser chamado desta forma.
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Corina é considerada a primeira vítima de violência doméstica cujo caso teve repercussão na cidade e na região. Registros históricos citam que ela foi assassinada pelo marido com 32 facadas em 1889. Saiba mais sobre a história dela abaixo.
A representatividade do caso da jovem é tão grande que o abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica e dependentes delas em Ponta Grossa se chama Casa de Acolhimento Corina Portugal.
Homenagens mostram devoção popular
O túmulo da “Santinha dos Campos Gerais”, como é popularmente conhecida, se destaca pela quantidade de homenagens.
No local é possível ver flores, fitas e mais de 200 placas de agradecimento por “graças recebidas”.
Túmulo de Corina Portugal, em Ponta Grossa (PR)
Millena Sartori/g1
O túmulo é simples e tem espaço para apenas um corpo. Não há peças de mármore ou azulejos, como nos demais. As únicas partes revestidas são as destinadas à colocação de velas acesas pelos devotos.
A cor do túmulo pode estar diferente a cada visita, já que a estrutura é pintada com frequência pelos fiéis.
Não há nenhuma lápide na estrutura, como aquelas que mostram mensagens de familiares.
Ao invés disso, há um pequeno painel com o nome, as datas de nascimento e de falecimento dela e um desenho da jovem. Ao fundo, uma foto do Rio de Janeiro, cidade onde ela nasceu.
Na parte de baixo, uma frase que mostra a devoção popular: “Um anjo de Luz a conceder milagres e trazer esperanças”. Veja:
Túmulo de Corina Portugal, em Ponta Grossa (PR)
Millena Sartori/g1
Uma oração criada por fiéis também está fixada na estrutura. Na introdução, o texto incentiva a intercessão pela santa popular:
“Se você é mãe, esposa, filha, que enfrenta problemas difíceis no lar, no relacionamento com seu marido, companheiro ou namorado; se você está sem trabalho, vai prestar exames ou concursos; se você é alvo de calúnia feita por pessoas maldosas, não se abata e nem aceite passivamente todo esse estado de coisas. Invoque a intercessão da suave e sempre atenta CORINA PORTUGAL, que foi mártir inocente, sacrificada pela insânia do esposo e motivo de escárnio de uma sociedade hipócrita. Reze, pedindo o seu auxílio.”
Oração à Corina Portugal fica fixada no túmulo da jovem
Millena Sartori/g1
A história de Corina Portugal
Corina Antonieta Portugal nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 18 de janeiro de 1869.
Aos 14 anos, casou com o farmacêutico Alfredo Marques de Campos, homem onze anos mais velho que ela. O casal foi morar em Realengo, ainda no Rio de Janeiro.
Em 1888, se mudaram para Ponta Grossa, com a ajuda de um médico amigo da família, chamado João de Menezes Dória.
“Alfredo se meteu com jogatina e bebia bastante. Vivia com mulheres meretrizes para baixo e para cima, e Corina ficava em casa. Ela apanhava dele, apanhava bastante; uma vez que ela estava grávida, ele bateu nela e ela perdeu o bebê”, conta o historiador Josué Corrêa Fernandes, autor do livro Corina Portugal: História de Sangue e Luz.
Corina chegou a escrever cartas pedindo ajuda para o pai, que continuava morando no Rio de Janeiro:
“Papai… Há três anos que sofro muito, sem nunca queixar-me. Porém já estou cansada e o [Alfredo] Campos se torna cada vez pior, prometeu matar-me. Não posso mais continuar nesse inferno.
Ponta Grossa, 20/12/1888”
De acordo com o relato citado no livro pelo historiador, Alfredo usou a intimidade criada entre Corina e o médico João de Menezes Dória para acusá-la de adultério.
Na noite do dia 24 de abril de 1889, Corina foi morta com cerca de 30 facadas.
Alfredo foi absolvido por utilizar o suposto adultério como justificativa para o crime – o que, na época, era aceito juridicamente.
O caso dividiu opiniões na cidade, que ouviu a versão de Alfredo e os relatos do pai de Corina sobre as queixas da jovem em relação às agressões que vinha sofrendo.
Túmulo de Corina Portugal, em Ponta Grossa (PR)
Millena Sartori/g1
Uma santa do povo
Corina Portugal não é reconhecida oficialmente como santa pela igreja católica.
“Trata-se somente de devoção popular. Da parte da Diocese de Ponta Grossa não houve, em momento algum, uma busca por investigar ou propor essa devoção”, informa a assessoria da instituição.
Em artigo publicado na Revista Brasileira de História das Religiões, a historiadora Maura Regina Petruski afirma que os relatos de milagres que teriam sido promovidos por Corina começaram com uma mulher chamada Maria e que também era agredida pelo marido.
“[Maria] foi rezar no túmulo de Corina em prol de sua vida conjugal, pedindo sua intercessão para que seu marido mudasse de comportamento. No dia seguinte à sua visita ao campo santo, seu marido parou de beber e tornou-se um homem bom. A partir da divulgação desse fato e com as declarações em torno da mudança de comportamento de seu marido, várias mulheres que passavam por situações semelhantes começaram a visitar esse túmulo em busca de ajuda”, explica.
Túmulo de Corina Portugal, em Ponta Grossa (PR)
Millena Sartori/g1
O relato de funcionários durante a transferência do corpo de Corina entre cemitérios fortaleceu ainda mais a construção da “santificação” da jovem, explica Maura.
O fato ocorreu anos após o sepultamento da jovem, mas a data não é especificada.
“Disseram os homens que, ao abrirem o túmulo de Corina, depararam-se com um corpo intacto, rosto resplandecente, semblante alvo e sereno tal qual o de uma santa. O susto foi tanto que os trabalhadores foram chamar o padre da igreja matriz para lhe mostrar o corpo. O pároco lhes pediu silêncio pelo que viram, como forma de não mais alardear a crença de santa que estava sendo construída em torno da falecida, entretanto, isso não aconteceu”, destaca a historiadora.
Para chegar ao túmulo de Corina Portugal, basta entrar no Cemitério Municipal São José pelo acesso do Largo Professor Colares, virar à esquerda na primeira fileira e então à direita após a primeira quadra.
O cemitério abre diariamente das 8h às 17h.
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