Silvero Pereira interpreta a si mesmo em cena ao dar voz às angústias de Belchior em show de intensa teatralidade


Ator cearense afia a lâmina do cancioneiro do compositor conterrâneo em espetáculo que percorre o Brasil em turnê iniciada em março. Silvero Pereira no palco do Teatro Rival, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), em momento expressivo do show em que interpreta 18 músicas de Belchior (1946 – 2017)
Rodrigo Goffredo
Resenha de show
Título: Silvero interpreta Belchior
Artista: Silvero Pereira
Local: Teatro Rival (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 28 de outubro de 2023
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ O show em que Silvero Pereira interpreta 18 músicas do cancioneiro autoral de Antonio Carlos Belchior (26 de outubro de 1946 – 30 de abril de 2017) é espetáculo mais sobre Silvero – ator nascido há 41 anos em Mombaça (CE), no interior do Ceará, e conterrâneo do cantor e compositor natural de Sobral (CE) – do que sobre Belchior.
Ao dar voz às angústias da obra de Belchior, Silvero se interpreta na cena incandescente desse show de natureza teatral nascido de encomenda do Festival de Cinema de Vitória para compor a programação on-line da edição de 2020 do evento. O ator molda autorretrato em cena através da música de Belchior em conexão explicitada quando, após emocionada explanação sobre a própria trajetória migrante, Silvero cantou Fotografia 3×4 (1976).
Apresentado esporadicamente em 2022 e oficialmente em turnê pelo Brasil desde março deste ano de 2023, em rota iniciada por Fortaleza (CE), o show Silvero interpreta Belchior retornou ao Rio de Janeiro (RJ), em 27 e 28 de outubro, para duas apresentações no Teatro Rival, palco onde, há seis anos, Silvero cantou pela primeira vez a canção do bis, Como nossos pais (1976), na pela de Elis Miranda, versão travestida de Nonato, personagem do ator na novela A força do querer (Globo, 2017).
Em cena pautada pela dramaticidade do ator, vê-se e ouve-se um artista em ebulição, intenso, às vezes recorrendo ao overacting para marcar posições políticas, sociais e afetivas.
Dentro da cena libertária, Silvero inverteu o gênero de verso de Todo sujo de batom (1974) – “Pra beijar a menina” virou “Pra beijar o menino” em sintonia com a vivência amorosa do artista – e assumiu o personagem biográfico de Apenas um rapaz latino-americano (1976).
Perceptível já na abertura com texto em off no qual Silvero já avisa para ninguém esperar “uma canção correta” antes de começar a cantar Sujeito de sorte (1976), a teatralidade do show é amplificada pela energia roqueira que move a interpretação de músicas como A palo seco (1973) e Velha roupa colorida (1976).
Silvero Pereira em cena no Teatro Rival, no Rio de Janeiro (RJ), em apresentação do show em que canta Belchior (1946 – 2017)
Rodrigo Goffredo
A potência do show Silvero interpreta Belchior é resultado da interação entre a alta carga dramática do artista e o toque vigoroso da banda capitaneada pelo diretor musical Wallace Lopes (guitarra) com Brunu Chico (violão e baixo), Geremias Rocha (teclados), Vitor Lima (saxofone e flauta) e Vladya Mendes (bateria) e apresentada com orgulho pelo artista em jam feita após a lembrança de Na hora do almoço (1971), marco zero da obra de Belchior.
Por ser ator de talento já aclamado em escala nacional, e também por feito a travessia do nordeste para o sudeste do Brasil, Silvero Pereira interpreta com precisão os sentidos e significados das músicas de Belchior. Na voz dele, Coração selvagem (1977) bate em compasso urgente e Paralelas (1975) tem a melancolia urbana realçada pelo dueto do cantor com o pianista Geremias Rocha antes de Silvero fazer Comentário a respeito de John (Belchior e José Luiz Penna, 1979) em tom folk com o toque do violão de Wallace Lopes.
A alternância de climas favorece a teatralidade do show e permite a fruição de Princesa do meu lugar (1980) em tempo de delicadeza em número sobressalente, embora a cena seja dominada pela intensidade do artista, que se permite soar leve no trajeto pop de Medo de avião (1979) em cadência evocativa do R&B.
Silvero Pereira no show em que canta músicas como ‘Sujeito de sorte’, ‘Paralelas’ e ‘Apenas um rapaz latino-americano’ com intensa teatralidade
Rodrigo Goffredo
Senhor da cena, Silvero Pereira tangencia o falsete no canto de Conheço o meu lugar (1979), música menos conhecida do roteiro, assim como Pequeno mapa do tempo (1979), composição menor de Belchior, engrandecida no show pela interpretação do ator-cantor.
Ao interpretar Belchior, Silvero afia a lâmina já cortante de compositor que expôs o peso da própria cabeça em Divina comédia humana (1978), música que soa como brado de resistência na voz do ator.
No bis, enquanto Silvero agita os braços ao cantar Como nossos pais (1976), evocando a eliscóptero de festival de 1965, fica claro mais uma vez o quanto de Belchior há na intensidade de Silvero Pereira.
Descontada a imprecisão histórica de algumas informações embutidas em falas do cantor (a vitória de Belchior como compositor em festival promovido pela TV Tupi em 1971, e não em 1974, nada tem a ver com o encontro posterior do artista com Elis Regina em 1975), o show Silvero interpreta Belchior se revela altamente sedutor pelo tom político com que o ator se apropria do cancioneiro do cantor para marcar posição em cena.
Silvero Pereira em apresentação do show ‘Silvero interpreta Belchior’ em 28 de outubro de 2023, no Teatro Rival, na cidade do Rio de Janeiro (RJ)
Rodrigo Goffredo
♪ Eis as 18 músicas do roteiro seguido por Silvero Pereira em apresentação do show Silvero interpreta Belchior no Teatro Rival, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), em 28 de outubro de 2023:
1. Sujeito de sorte (1976)
2. A palo seco (1973)
3. Todo sujo de batom (1974)
4. Coração selvagem (1977)
5. Apenas um rapaz latino-americano (1976)
6. Medo de avião (1979)
7. Alucinação (1976)
8. Paralelas (1975)
9. Comentário a respeito de John (Belchior e José Luiz Penna, 1979)
10. Divina comédia humana (1978)
11. Galos, noites e quintais (1976)
12. Conheço o meu lugar (1979)
13. Fotografia 3 x 4 (1976)
14. Princesa do meu lugar (1980)
15. Pequeno mapa do tempo (1977)
16. Na hora do almoço (1971)
17. Velha roupa colorida (1976)
Bis:
18. Como nossos pais (1976)
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