Selic: quais os recados do Copom e o que esperar para a taxa de juros diante do ciclo de cortes do BC


Comitê fez nova redução de 0,50 ponto percentual na quarta-feira (1º) e sinalizou cortes ‘de mesma magnitude’ nas próximas reuniões. Há, no entanto, cautela sobre ‘ambiente externo adverso’, informou a autoridade monetária. Variações da Selic levam entre três e seis meses para serem sentidas no mercado de crédito, diz economista.
Agência Brasil
O Comitê de Política Monetária (Copom) anunciou mais um corte de 0,50 ponto percentual (p.p.) da taxa básica de juros (Selic) na última quarta-feira (1º), para 12,25% ao ano. A decisão já era esperada pela maior parte dos economistas do mercado financeiro.
Com essa, que foi a terceira redução seguida por parte do Banco Central do Brasil (BC), a taxa chega ao seu menor patamar desde maio de 2022, quando estava em 11,75% ao ano.
Em comunicado oficial, o Comitê do BC afirmou que a decisão foi aplicada considerando o processo de desinflação, os cenários econômicos avaliados no Brasil e no exterior e o balanço de riscos. Reforçou ainda que haverá redução dos juros “de mesma magnitude nas próximas reuniões”.
Nesta reportagem, você vai entender os principais recados do Copom e o que dizem especialistas sobre os seguintes pontos:
o exterior ‘adverso’;
a meta fiscal;
inflação e atividade econômica;
e o futuro da Selic.
Exterior ‘adverso’
A sinalização de novos cortes na Selic já era esperada por grande parte do mercado. No comunicado do Copom, chamou a atenção de economistas o tom de cautela adotado pela autoridade monetária, que abriu o texto alertando para um ambiente externo “adverso”.
“O cenário internacional ganhou destaque em três novas situações, e a palavra ‘cautela’ foi mencionada duas vezes”, observa a economista-chefe da Tenax Capital, Débora Nogueira.
No texto divulgado na quarta-feira, o Comitê mencionou:
a elevação das taxas de juros de prazos mais longos nos Estados Unidos;
a resiliência dos núcleos de inflação em níveis ainda elevados em diversos países;
e as novas tensões geopolíticas no mundo (em referência à guerra entre Israel e Hamas).
Juros mais altos nos Estados Unidos tendem a se refletir em alta na cotação do dólar no Brasil, uma vez que há saída da moeda do país, com o objetivo de buscar a melhor remuneração lá fora.
Também entra nesse contexto os receios do Copom em relação à inflação mundial. Na prática, uma inflação mais persistente tende a exigir maior aperto monetário pelos bancos centrais.
Em relação ao conflito no Oriente Médio, a principal preocupação é sobre o aumento do preço do petróleo, já que a região é uma das mais importantes produtoras e exportadoras da commodity do mundo.
A alta do petróleo tem como consequência a elevação do preço dos produtos derivados, como gasolina e diesel — afetando diretamente a inflação.
Por isso, avalia o Comitê do BC, “o cenário exige atenção e cautela por parte de países emergentes”.
“Precisamos monitorar o cenário internacional e as mudanças recentes em decorrência dos conflitos geopolíticos. Isso preocupa, mas ainda não é motivo de mudança de cenário. É o caso de acompanhamento”, analisa Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.
Meta fiscal
No comunicado da última quarta-feira, o Copom voltou a ressaltar “a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para ancoragem das expectativas de inflação” e “para a condução da política monetária”.
“O Comitê reforça a importância da firme persecução dessas metas”, disse o colegiado.
Nos últimos dias, se acentuou a discussão sobre uma possível alteração da meta de zerar o déficit das contas públicas em 2024. Isso aconteceu após o presidente Lula (PT) dizer, em conversa com jornalistas, que o país não precisa de uma meta fiscal zero no próximo ano.
“Eu não quero fazer corte de investimentos de obras. Se o Brasil tiver um déficit de 0,50%, o que que é? De 0,25%, o que é? Nada”, disse Lula na última semana.
Após as declarações do presidente, começou um debate interno no governo sobre uma mudança na meta fiscal para 2024.
Nesta quinta-feira (2), o comentarista da GloboNews Gerson Camarotti informou que, segundo fontes, o governo já decidiu pela mudança da meta para o ano que vem, com previsão de déficit em torno de 0,50% do PIB.
A expectativa é que seja apresentada uma emenda ao Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) no dia 16 de novembro.
“Já tem data para mudança da meta”, diz Gerson Camarotti
A mudança não agrada o mercado. Na visão de especialistas, uma alteração na meta tende, entre outros pontos, a diminuir a credibilidade do arcabouço fiscal logo em seu primeiro ano de execução.
“Em particular, uma eventual decisão pela alteração da meta fiscal tiraria a força do arcabouço, ao evitar que os gatilhos sejam acionados”, aponta o estrategista-chefe da Warren Rena, Sérgio Goldenstein, em análise pós-Copom.
Saiba mais sobre o novo arcabouço fiscal
Esse cenário, segundo Goldenstein, pode acarretar uma depreciação do câmbio (devido à elevação do prêmio de risco) e uma desancoragem adicional das expectativas de inflação.
O controle fiscal, apontam especialistas, ganha ainda mais relevância diante das incertezas provocadas pelo cenário internacional.
“Com um quadro externo muito mais desafiador, de conflitos armados e de juro americano elevado por mais tempo, o lado fiscal sob controle torna-se cada vez mais importante para a condução da política de juros”, afirma o economista-chefe da Órama Investimentos, Alexandre Espirito Santo, em relatório assinado com a analista Eduarda Schmidt.
Inflação e atividade econômica
O Copom afirmou que o conjunto de indicadores analisados segue consistente com o cenário de desaceleração da economia nos próximos trimestres.
“A inflação cheia ao consumidor manteve trajetória de desinflação, mas segue acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta de inflação, enquanto as medidas mais recentes de inflação subjacente ainda se situam acima da meta para a inflação”, disse o comunicado.
As projeções de inflação do Copom são de 4,7% em 2023 e de 3,6% em 2024. Para 2025, a estimativa é de 3,2%.
Vale lembrar que taxa básica de juros da economia é o principal instrumento de política monetária utilizado pelo Banco Central para controlar a inflação — ou seja, para conter a alta dos preços.
Se as expectativas de inflação estão altas (acima da meta), o BC tende a subir, ou a manter os juros em patamar elevado. Se estão de acordo com as metas, pode baixar a taxa Selic.
Para Alex Agostini, da Austin Rating, a inflação segue dando bons sinais de arrefecimento, convergindo para a meta deste ano — que será considerada formalmente cumprida se o índice oscilar entre 1,75% e 4,75%.
“Isso determina que as próximas reuniões sejam de queda de 0,50 ponto. Nós estamos prevendo uma taxa de juros de 9% ao final de 2024. Então, acreditamos que é possível que a Selic fique abaixo de dois dígitos até meados de 2024”, diz.
O economista-chefe da Órama Investimentos, Alexandre Espirito Santo, alerta que, em termos de inflação, as atenções devem ser direcionadas aos preços administrados, “sobretudo os combustíveis”.
Ele aponta os riscos diante do conflito entre Israel e Hamas, o que “pode perturbar o mercado de petróleo e provocar reajustes mais fortes nos derivados pela Petrobras”.
Futuro da Selic
Mesmo sinalizando que haverá redução dos juros “de mesma magnitude nas próximas reuniões”, o Copom trouxe ponderações.
O colegiado enfatizou que a magnitude total do ciclo de flexibilização ao longo do tempo dependerá de pontos como:
evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica;
expectativas de inflação, em particular daquelas de maior prazo;
suas projeções de inflação;
e balanço de riscos.
A expectativa de economistas do mercado financeiro, conforme o último relatório “Focus”, é que a taxa básica de juros da economia brasileira encerre 2023 em 11,75% ao ano. Para o fechamento de 2024, a projeção é de 9,25% ao ano.
O economista Antonio Sanches, analista da Rico, acredita que o ciclo de quedas adotado pelo Banco Central não deverá ser um processo “acelerado e prolongado”, mas sim uma sequência “gradual”.
Os motivos, diz o especialista, são justamente os riscos globais mencionados pelo BC — incluindo o de desvalorização da moeda brasileira.
Ele também elenca as questões domésticas — mesmo que a inflação esteja bem comportada nos últimos meses — e destaca “a piora recente” do cenário fiscal, em referência às discussões sobre a meta.
“Quanto maior a percepção de risco, maior a precificação de risco em nossos ativos financeiros, como a própria moeda — que, quanto mais desvalorizada, maior a pressão sobre a inflação”, diz.
“Em suma: o cenário permite que o BC reduza a magnitude do ‘freio’ na economia, mas sem eliminá-lo por completo — ao menos por ora”, conclui.
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