Pelo sexto ano seguido, moradores de Santa Bárbara d’Oeste recebem visita pontual de falcão-peregrino

Na cidade, rapinante é monitorado há seis anos e chama atenção por retornar sempre na mesma data. Ave viaja mais de 20 mil km para chegar ao país. Falcão-peregrino é pontual em viagem migratória
Quando os dias começam a mudar no Hemisfério Norte e sinalizam a chegada de uma temporada mais fria – o início do outono -, para o falcão-peregrino (Falco peregrinus) é ativado um instinto: chegou a hora de migrar.
Peregrino por excelência, a ave mais rápida do mundo realiza uma jornada de dar inveja a qualquer viajante. Percorre mais de 20 mil km em pouco mais de 50 dias, com destino ao Hemisfério do Sul. Enquanto ele sobrevoa as mais belas paisagens entre um continente e outro, no Brasil, os observadores de aves aguardam ansiosamente pela chegada dessa ave mística.
Falcão-peregrino chega em Santa Bárbara d’Oeste na mesma data que nos anos anteriores
Leonardo Vilela
Em Santa Bárbara d’Oeste (SP), um indivíduo de falcão-peregrino parece ter escolhido um dia fixo para chegar no bairro Residencial Dona Margarida. Pelo sexto ano seguido, a ave visita o mesmo prédio e sua chegada acontece sempre no dia 27 de outubro.
Segundo o guia de observação de aves Gustavo Pinto, o monitoramento dele nessa região central da cidade ocorre desde 2018. Desde então, sempre que a data se aproxima os moradores ficam atentos para a chegada do visitante ilustre, que nunca se atrasou em nenhum ano.
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Em 2023, a equipe do Terra da Gente foi até o local no dia 26 e não havia nenhum sinal do falcão pelo bairro. Já no dia 27 de outubro, foi possível flagrar a chegada dele ao prédio em que todos os anos utiliza como dormitório.
Fidelidade de sítio
No interior de São Paulo, cidades como Campinas (SP), Araraquara (SP), Americana (SP) e Santa Bárbara d’Oeste (SP) são alguns dos destinos da temporada de “férias” do falcão-peregrino. Os primeiros registros e observações dessa ave começam a surgir em outubro.
E se engana quem pensa que é difícil ficar frente a frente com a espécie. Em torres, antenas e prédios das áreas urbanas, o peregrino encontra o ambiente ideal para repousar, espreitar as presas e se lançar do alto como um míssil, habilidade que permite a ele atingir uma velocidade de 320 km/h.
Entre tantos comportamentos impressionantes do falcão-peregrino, um dos que mais alegram os fãs é o fato de ele sempre retornar ao mesmo ambiente em que apareceu em anos anteriores. Os cientistas chamam esse comportamento de fidelidade de sítio, que é quando uma ave acaba estabelecendo um vínculo com determinado lugar.
“A fidelidade de sitio seria a espécie ter o mesmo território de invernagem aqui no Brasil, sempre voltando todos os anos para o mesmo local”, explica o ornitólogo Willian Menq.
Aves são presas favoritas do falcão-peregrino
Leonardo Vilela
Segundo ele, sso vai muito além de simplesmente “gostar” do lugar, na verdade são vários fatores agregados a uma única questão, que Menq pontua como custo benefício para espécie.
“Ele faz isso por uma grande razão: poupar energia, uma vez que ele encontra um ambiente com presas disponíveis, poleiros de caça, poleiro de descanso e dormitório, e que não tenham outros falcões-peregrinos para competir com ele por esses recursos, ele encontrou o local ideal para aproveitar as férias por aqui”, explica Willian.
“Se ele tivesse que procurar todo ano um novo lugar, ele gastaria muita energia para isso, então para a espécie vale muito mais a pena encontrar um território e decorar o caminho e a localização para retornar todos os anos”, acrescenta.
Falcão-peregrino é fiel ao território em que encontra alimento e abrigo
Foto: Thiago Arruda
Pontualidade
Seria possível uma ave ser tão precisa assim, ao ponto de chegar sempre na mesma data? Pode soar como coincidência, mas por se tratar da natureza nada é duvidoso. Para o estudioso, o fato é intrigante e desperta a curiosidade, mas é preciso estar atento para saber se todas as chegadas foram realmente no mesmo dia, ou se pessoas perceberam a chegada dele no mesmo dia.
“De fato ele tem uma certa pontualidade no período de chegada aqui no Brasil, cada indivíduo tem o seu próprio período, vai depender da origem dele, se veio, por exemplo, do Sul da Groenlândia ou do Norte dos Estados Unidos. São as mudanças no clima, as mudanças na duração da luz do dia que desencadeiam o instinto migratório dessa ave, isso que faz ele migrar”
“Se ele chega na primeira quinzena de outubro em determinada cidade, por exemplo, muito provavelmente ele vai retornar no mesmo período a esse local no ano seguinte, e isso impressiona”, pontua Menq.
Assim como a gente decora o caminho de casa, o falcão-peregrino consegue memorizar a rota que deve traçar todo ano e sem GPS.
“As aves utilizam várias maneiras para fazer essas migrações, seja a constelação, a posição do sol, o próprio magnetismo da Terra. Em complemento a isso, elas conseguem gravar questões que envolvem a paisagem, o falcão-peregrino pode seguir o curso de grandes rios como referência”.
Uma curiosidade é que indivíduos adultos e jovens de falcão-peregrino tendem a chegar ao Brasil em datas distintas. Geralmente os mais novos, ainda aprendizes, são os últimos a adentrarem ao território.
Para quem quiser observar a ave, basta ficar atentos às datas. A espécie costuma ser observada em território brasileiro até meados de abril, às vezes até maio.
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Jack Zhi/Bird Photographer of the Year
Ave ou míssil?
Considerada a ave mais rápida do mundo, o falcão-peregrino atinge o ápice quando está caçando. Já em momentos de deslocamento, ele chega facilmente entre 50 a 80 km/h. Quando ele está percorrendo uma presa, ele pode subir para 100-110 km/h
“Ele caça de uma maneira muito característica, sobe, identifica uma presa, geralmente uma ave, e pega ela em voo. Para capturá-la, ele sobrevoa e a assusta, geralmente fecha as asas e desce como uma bala, ele literalmente mata a ave como se fosse um míssil”, explica o ornitólogo Luciano Lima.
“Nessa descida, ele pode ultrapassar os 320 km/h, o que é uma coisa inimaginável para o mundo dos animais, a gente consegue fazer isso, mas utilizando caças e outros aviões. O falcão-peregrino é literalmente uma máquina feita para caçar”, completa.
De acordo com Luciano, para conseguir abater a presa com esse choque em queda livre, o falcão-peregrino apresenta características específicas. “Ele tem toda a estrutura do esqueleto modificada para esse choque, o esqueleto dele é super resistente, principalmente na parte frontal”, comenta Lima.
Além disso, o peregrino possui uma espécie de terceira pálpebra, característica que não é exclusiva desse rapinante, pode ser encontrada também em outras espécies, incluindo mamífero e peixes. “Ela funciona como uma terceira pálpebra transparente, é uma película que tampa o olho, ajudando a proteger o globo ocular, principalmente quando o bicho está caçando, nesses grandes momentos de impactos”, finaliza.