‘Criolando’: conheça a história da figura folclórica que anunciava a morte em Jaú


Jauense andava em um cavalinho de pau com um ramo de flores na mão e, segundo a crença popular, tinha o poder de ‘prever a morte’. Criolando já foi tema de documentário e, atualmente, terá a história contada em animação. Criolando caminhava pelo centro de Jaú (SP) em seu cavalinho de pau
Arquivo Pessoal/Vicente João Pedro
Em Jaú (SP), nas décadas de 1950 e 1960, uma figura quebrava a barreira invisível que separava a cidade entre um centro elitista e uma periferia de imigrantes pobres.
Coriolano Rodrigues de Lima, que na linguagem popular virou só “Criolando”, perambulava pelas ruas do centro com seu cavalinho de pau e uma ramo de flores nas mãos. Seu destino podia ser a Igreja Matriz, o cemitério ou a casa de um de seus “amigos” que acabara de falecer. Segundo a tradição, aquele homem tinha poderes místicos, e uma relação muito próxima com a morte.
Ricardo Rodrigues é cineasta e estudou a história do Criolando para produzir um filme-documentário, lançado em 2010.
“Eu tive um contato muito grande com a questão mística dele, que tornou ele esse mito regional. O relato é de que ele saía de Potunduva (distrito a 20 km do Centro de Jaú), passava no jardim, pegava algumas flores, e ia até a casa de quem tinha acabado de morrer. Detalhe: nem sempre a família sabia do falecimento do ente querido”, conta Ricardo, que também interpretou o personagem na produção.
Os relatos impressionam. A população da cidade foi desenvolvendo uma relação de afeto pelo homem, que vivia nas ruas, previa a morte de pessoas e chorava compulsivamente nos velórios em que comparecia.
Criolando era conhecido em Jaú (SP) por prever a morte de pessoas
Arquivo Pessoal/Vicente João Pedro
Em entrevista ao g1, moradores da cidade lembraram de histórias que envolveram a figura do “Criolando”.
“Eu tenho a satisfação de falar alguma coisa sobre aquele herói. Eu conheci ele, eu era muito criança ainda, a gente ia na cidade e ele andava com o cavalinho de pau pela rua da cidade. A gente ia brincar com ele, mas ele não gostava, mas se via que era um santo!” conta Reinaldo Brancaglião, hoje com 86 anos.
“Eu soube de uma história de uma conhecida da cidade. A mãe estava no hospital com a criança, e um dia o Criolando chegou na casa da família com as flores, antes da família saber que a menina tinha morrido, a mãe ainda não tinha avisado.”, afirma Margarida Grossi Cristianini, de 78 anos.
“Em 1970, a minha irmã mais velha faleceu, e o Criolando apareceu no velório dentro da casa dela, deixou um ramalhete de flor no caixão e saiu. Não disse uma palavra”, lembra Santa Dirce Martins Pacheco, de 76 anos.
Os relatos o descrevem como uma pessoa fortemente católica que nunca abandonava sua medalha da “Legião de Maria” que carregava no peito. Segundo o historiador Fábio Grossi, o Criolando tinha algumas condições mentais que o faziam se comportar como uma criança de 8 anos e conversava sozinho com um “amiguinho” imaginário.
Como nunca foi fechado um possível diagnóstico, a crença popular foi alimentada e teorias religiosas sobre a figura foram surgindo.
“Os católicos dizem que ele de fato falava com anjos, mas hoje existe muito uma interpretação kardecista, de que ele seria um médium. Mas fato é que a gente não conhece um relato de que ele errou. Todo mundo fala que ele acertava. Era uma cena até teatral, ele chegava chorando copiosamente como se fosse um ente querido mesmo.”, explica o historiador.
Criolando apesar de passar boa parte do tempo nas ruas, morava com um irmão no distrito de Potunduva, que fica a 20 Km de Jaú. Com a morte do irmão, seu único familiar na cidade, uma irmã que morava em São Paulo o levou para a cidade à força, onde mais tarde Criolando faleceu em uma data cívica: 7 de setembro de 1981.
Criolando, como conta a tradição jauense, tinha a mentalidade de uma criança de 8 anos
Arquivo Pessoal/Vicente João Pedro
Sabendo da morte da figura tão amada na cidade, o então prefeito de Jaú, Alfeu Fabris, mandou trazer o corpo de volta para ser enterrado no cemitério onde Criolando já tivera passado muito de seu tempo.
“Para você ter ideia, quando o corpo dele voltou para Jaú para ser velado, eram 6 ou 7 quarteirões lotados de flores. Infelizmente a gente não tem foto disso, mas isso é um fenômeno, algo inédito na cidade”, conta Ricardo Rodrigues.
Um “milagreiro”
Um mausoléu foi levantado no Cemitério Municipal de Jaú em homenagem ao Criolando
Paulo Piassi/g1
Quando Criolando morreu, sua história já estava consolidada na cidade e relatos de milagres atrelados a seu nome começaram a surgir. Seu túmulo, até então bem simples, passou a ser um dos mais visitados do cemitério.
“Já de início você tem pessoas que vão visitar o túmulo e começam a fazer pedidos. E uma pessoa que está com a filha doente e tem seu pedido alcançado e em retribuição constrói um mausoléu digno para o Criolando”, salienta Fábio.
O novo túmulo fica próximo ao velório municipal, que leva o nome de Criolando. No local, a população deposita até hoje brinquedos, cavalinhos de pau e imagens de santos em busca de graças.
O túmulo de Criolando recebe brinquedos e imagens de santos em busca de milagres
Paulo Piassi/g1
Heloísa Tonioli é de São José do Rio Preto (SP), mas sempre vai ao cemitério de Jaú para visitar túmulos de entes queridos. Ela faz questão de passar no túmulo do Criolando e contar para o marido e filhos a história da emblemática figura jauense.
“Eu conheci as histórias através da minha mãe e dos meus avós. Eles contaram que ele era uma pessoa muito querida na cidade e que realizou muitos milagres na cidade depois que ele morreu. Então sempre que a gente vem aqui a gente passa no túmulo dele.” conta.
Pessoas vem de longe para visitar o túmulo de Criolando em Jaú (SP)
Paulo Piassi/g1
Uma história de cinema
Vários documentários e curtas-metragens foram feitos contando a história de Criolando. Entre eles o protagonizado pelo cineasta Ricardo Rodrigues.
Hoje, o artista trabalha em outro projeto envolvendo a história, mas desta vez uma ficção em stop-motion contando a infância do Criolando.
“O primeiro contato que a gente teve com a história dele nos afetou muito. A gente fez filmes convencionais até a pandemia, quando chegou a pandemia estávamos todos em casa com projetos para entregar. Eu tinha um conhecimento em animação e começamos a fazer stop-motion”, conta o cineasta.
Projeto de animação vai contar a história do personagem jauense Criolando
O projeto de Ricardo foi selecionado no último mês para o edital da lei Paulo Gustavo, que financia projetos artísticos.
“Nós fomos um dos únicos do interior a sermos selecionados. Isso nos deu confiança de que a história é boa. Agora nós estamos esperando esse dinheiro ser disponibilizado para darmos continuidade.” finaliza o cineasta.
Cineasta de Jaú (SP) realiza projeto de stop-motion para contar a história do Criolando
Paulo Piassi/g1
*Sob a supervisão de Mariana Bonora
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