Adolescente que relatou estupro em carta poderia ter morrido com o uso de testosterona, dizem especialistas; entenda


Menina, de 16 anos, disse ter sido abusada sexualmente e obrigada a tomar injeção de testosterona pelo padrasto, um policial militar reformado, de 51 anos. Caso é investigado pela Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Praia Grande, no litoral de São Paulo. Adolescente escreveu carta relatando abusos do padrasto no litoral de SP
Matheus Croce/TV Tribuna e Reprodução
A adolescente, de 16 anos, que escreveu uma carta relatando que teria sido abusada sexualmente e obrigada a tomar injeção de testosterona pelo padrasto, um policial militar reformado, de 51 anos, poderia ter morrido se continuasse recebendo o hormônio, de acordo com especialistas ouvidos pelo g1 (entenda abaixo). O caso é investigado pela Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Praia Grande, no litoral de São Paulo.
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A enteada relatou na carta uma rotina de abusos sexuais, que teriam começado em 2021, quando ela tinha 13 anos. A situação foi descoberta pela família em 2023, quando o acusado teria tentado se reaproximar da adolescente. Ela gravou a conversa e mostrou o áudio para a própria mãe.
Entre os abusos, a adolescente afirmou que o homem aplicou duas doses de testosterona nela, ainda em 2022. Segundo o relato, o acusado a levava para a academia e tinha o costume de elogiar o corpo dela.
“Comentava que eu tinha mais corpo do que muitas mulheres, e por eu menstruar e ter menos testosterona que o homem, não iria conseguir resultado nenhum ‘só treinando'”, escreveu a menina. “Dizia que eu ficaria com um corpo mais bonito [com a testosterona]”.
Adolescente escreveu que homem aplicou duas doses de testosterona nela durante os abusos
Reprodução
A testosterona é o principal hormônio sexual masculino. As mulheres produzem, porém, em um nível menor. Segundo a endocrinologista pediátrica Juliana Godoy, o anabolizante realmente aumenta os músculos, mas não é indicado para mulheres, principalmente, crianças ou adolescentes.
“Ele só prejudicou ela. [A adolescente] só vai ter os efeitos colaterais”, afirmou a especialista.
Juliana explicou ao g1 que, de acordo com o Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia da Sociedade Brasileira da especialidade, a única indicação para o uso da testosterona em mulheres é para o Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo (TDSH) — falta ou diminuição do interesse sexual.
Efeitos colaterais
Letícia Iervolino, especialista em endocrinologia e metabologia, listou à reportagem alguns efeitos colaterais causados pelo uso da testosterona em uma menina de 13 a 16 anos. Veja abaixo:
Alterações cardiovasculares
Pressão alta
Alterações do colesterol
Trombose
Fechamento precoce das cartilagens, o que reduz a altura da adolescente
Infertilidade
Alteração do ciclo menstrual
Acne
Alterações mentais, como dependência, ansiedade, irritabilidade e depressão
Infarto
Acidente Vascular Cerebral (AVC)
Alterações no fígado
De acordo com Letícia e os outros especialistas ouvidos pelo g1, esses efeitos colaterais podem levar a morte.
O especialista em endocrinologia e metabologia José Marcelo Natividade explicou que, por ser um hormônio masculino, as meninas tendem a perder as características femininas. Elas ficam com a voz mais grave, os pelos do corpo aumentam, há queda de cabelo e crescimento do clitóris.
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A adolescente acrescentou na carta que o homem ficou bravo quando ela demonstrou que não queria receber a dose do hormônio. “Disse que eu não poderia parar de tomar, senão meu corpo ficaria cheio de estrias, celulites e espinhas, [além da] queda de cabelo”. Os médicos afirmam que seria justamente o contrário. O uso da testosterona causaria esses efeitos e não a falta dele.
O endocrinologista e professor da especialidade na Unimes, Paulo Maccagnan, explicou que a menina ficará livre das sequelas, caso não tenha tido alterações nos órgãos ou aumento da pressão arterial. A preocupação, segundo ele, é a quantidade de testosterona que ela recebeu, já que as são vendidas doses maiores do que uma mulher poderia usar. “Uma mulher mais velha, nunca nessa idade”.
“[Foi] uso indevido de testosterona e até a forma que esse homem conseguia o hormônio. Hoje, a gente sabe que é uma medicação só com prescrição médica e indicação. Mas, é usada de diversas formas e conseguida no mercado clandestino de forma muito fácil”, explicou Letícia.
Defesa do acusado
O advogado Cristiano Marcos dos Santos, que representa o acusado, afirmou que as “acusações propostas pela suposta vítima e sua genitora são inverídicas, pois não passam de uma armação”. Ele alegou também que o cliente é inocente e provará isso no decorrer da instrução criminal.
Sobre as acusações da ex-companheira, a defesa do acusado disse que não tem conhecimento dos fatos narrados por ela.
Relembre o caso
Uma carta de seis páginas foi escrita pela adolescente como uma forma de relatar os abusos sofridos para os advogados Octavio Rolim e Patrícia Britto, que a representam no caso. A menina também acusou o homem de ter injetado testosterona nela para que ficasse com um “corpo mais bonito” em meio aos abusos.
Segundo o depoimento por escrito da menina, tudo começou entre junho e julho de 2021. A suposta vítima, que na época morava na casa da avó, afirmou que foi até o apartamento onde a mãe vivia com o homem. No local, ele teria mostrado vídeos pornográficos para ela.
“Eu nunca tinha visto e fiquei assustada com aquilo. Ele me disse que, por estar crescendo e me tornando mulher, [além] da minha mãe trabalhar o dia todo e não ter tempo de me explicar essas coisas, eu já estava na idade de saber”, escreveu a menina.
A adolescente relatou também que o homem apresentava contos eróticos para ela, “principalmente entre enteada e padrasto”. O acusado, de acordo com a menina, dizia que isso era “mais comum” do que ela imaginava.
Adolescente relatou em carta que padrasto mostrou vídeos pornográficos para ela
Reprodução
A adolescente escreveu que, em agosto de 2021, o homem a apresentou um sobrinho dele. “Disse para eu apresentar o prédio para ele”, escreveu a jovem. Em determinado momento desse contato, o parente do acusado teria beijado a vítima. O PM reformado, então, fez na sequência uma série de perguntas para ela sobre o beijo.
Naquele mesmo dia, conforme registrado na carta, houve o primeiro abuso físico por parte do acusado. Ambos voltavam de um passeio em Peruíbe, também no litoral de São Paulo, quando o homem parou o carro para urinar na rua. Segundo o relato da adolescente, ele a puxou pelo braço e colocou a mão dela na genitália dele enquanto tentava beijá-la.
“Fiquei com muito medo de falar algo na hora, pois ele sempre guardava a arma debaixo do banco do motorista”, alegou a vítima. “Quando cheguei em casa, só sabia chorar escondida no quarto me perguntando o porquê daquilo estar acontecendo”.
A menina escreveu também que, já em 2022, os abusos se tornaram mais frequentes. “Ele aproveitava que não tinha ninguém em casa e me puxava para o quarto dele. Aconteceu várias vezes, e todas sem o uso de preservativo”. Os advogados da menina explicaram que os abusos físicos acabaram naquele ano, quando o homem disse que se afastaria dela “para não cometer uma loucura”, como engravidá-la.
A situação foi descoberta pela família em 2023, quando o acusado teria tentado uma reaproximação da adolescente, que gravou a conversa com ele e mostrou o áudio para a própria mãe.
Adolescente que relatou estupro em carta gravou áudio do padrasto sobre abusos
Delegada
Segundo a delegada Lyvia Bonella, da DDM de Praia Grande (SP), o homem já prestou depoimento à Polícia Civil. No relato, ele disse à corporação que a própria enteada é quem demonstrava interesse por ele.
“Tentou inverter a situação, como se a adolescente estivesse interessada nele e feito ‘investidas’, abraçando e beijando”, explicou a delegada, em entrevista à TV Tribuna, emissora afiliada da Globo.
Lyvya acrescentou que, apesar do depoimento do homem, o fato dele ter admitido que “retribuiu” o beijo da adolescente já configura um crime.
Ex-mulher
A ex-mulher do acusado afirmou que ele já tentou matá-la na frente dos filhos, de 10 e 13. A guarda é compartilhada e as crianças estão com ele. Ela contou ao g1 que o homem é agressivo com todas as pessoas.
De acordo com o documento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), obtido pelo g1, a vítima relatou que ele a ameaçava de morte. Além disso, o homem obrigava a ex-mulher a manter relações sexuais com ele a força. “Ele falava várias vezes que era policial e não ia dar em nada se eu fosse fazer o registro do BO”.
Em 2018, o homem foi condenado em quatro meses de detenção em regime aberto. Ele cumpriu em prestação de serviços à comunidade. A Justiça concedeu uma medida protetiva para a ex-companheira, mas, de acordo com ela, o acusado nunca cumpriu.
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