Violência contra idosos é silenciosa e atinge mais as mulheres com baixa renda, no Maranhão


Desafios cercam a necessidade de melhorar a vida de pessoas que envelhecem, no estado. Imperatriz registrou 137 casos de violência contra idosos em 2021
Reprodução/TV Mirante
Exploração financeira, violência psicológica e abuso físico são alguns dos atos de violência comumente registrados contra pessoas idosas, no Maranhão. Avós, pais e mães acuados, por vezes, pelo medo; reticentes em dizer não, ou, ainda, desadvertidos das condições que lhes cercam, se veem afastados dos cuidados e do respeito necessários à preservação dos direitos humanos de pessoas mais velhas, garantidos por lei.
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Ao longo de duas décadas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem salientado as precauções relacionadas ao crescimento da vulnerabilidade de pessoas idosas, e, portanto, da importância de criar medidas institucionais para protegê-las.
A OMS qualifica a violência contra os idosos como uma ruptura dos atos de confiança, em ações contínuas ou singulares, capazes de ocasionar tristezas e traumas.
Em uma análise divulgada em junho deste ano pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos foi registrado um aumento de 38% nos casos de violência contra pessoas idosas durante o primeiro semestre de 2023, em comparação ao ano anterior, no Brasil. Mais de 65 mil denúncias foram registradas, havendo o crescimento deste tipo de maus-tratos em todos os estados brasileiros.
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No Maranhão, unidade federativa cuja população de idosos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de 567.667 pessoas (8,3% da população), mulheres idosas, com idades entre 60 e 70 anos, autodeclaradas pardas, com renda de até um salário mínimo e alfabetizadas representam a maior porcentagem de vítimas da violência contra idosos em todo o estado.
600 casos de violência contra idosos são registrados no MA
Os dados, apresentados em uma pesquisa do Núcleo de Pesquisa Educação e Cuidado em Enfermagem (Nupece) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), baseada em denúncias recebidas pelo Centro Integrado de Apoio e Prevenção à Violência contra a Pessoa Idosa (Ciapvi) da Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE/MA) trazem uma perspectiva socioeconômica e racial para o problema.
Jornadas de silêncio
A discriminação contra a pessoa idosa se desdobra em várias vertentes. As agressões de cunho sexual, físico e financeiro são só algumas das modalidades qualificadas como criminosas pelo Estatuto do Idoso.
Em relação à integridade patrimonial, as modalidades de crime financeiro praticado contra pessoas idosas são comuns, no Maranhão: em agosto deste ano, o Ministério Público do Maranhão (MP-MA) acompanhou a situação de uma idosa de 101 anos, vítima maus-tratos e exploração financeira, na cidade de João Lisboa, distante 640 km de São Luís.
Homem suspeito de maltratar a bisavó de 101 anos é preso em João Lisboa
O principal suspeito foi o bisneto, identificado como Leonardo, preso à época e morto dias depois.
Em outubro, dois homens foram presos em Miranda do Norte, no oeste maranhense, suspeitos de realizarem empréstimos ilegais em nome de idosos.
Segundo a Polícia Civil, os dois investigados são do estado do Pará e estavam praticando os crimes em cidades do interior do Maranhão.
Dados divulgados pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em 2020, indicaram um aumento de 60% nos registros de tentativas de golpes financeiros, em comparação ao ano anterior. Em aproximadamente 70% dessas fraudes, os clientes se viam convidados, de forma enganosa, a compartilhar códigos e senhas com golpistas.
Parte considerável dos crimes se constitui da sedução da confiança dos usuários, para obtenção de dados pessoais e acesso às informações bancárias sensíveis. Na quarentena, ainda de acordo com a Febran, instituições financeiras enfrentaram um aumento em 80% em modalidades virtuais de ataque, iniciados com o envio de links e e-mails sem identificação, que redirecionam o usuário para sites sem segurança online.
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Apoio institucional e combate à violência contra idosos
Em entrevista ao portal g1 Maranhão, o promotor de Justiça, Alenilton Santos, coordenador do Centro de Apoio de Defesa dos Direitos das Pessoas Idosas e das Pessoas com Deficiência do Ministério Público do Maranhão (MP-MA), afirmou que o cenário de violência contra pessoas idosas, no estado, suscita uma atenção cautelosa.
O Ministério Público do Maranhão (MP-MA), portanto, se apresenta como integrante das ferramentas institucionais a que dispõem o núcleo de apoio dos idosos para evitar ações violentas.
“O Ministério Público entendeu a necessidade de estabelecer parcerias, visando articular permanentemente com outras instituições a fim de que serviços prestados às Pessoa Idosas fossem contínuos, bem como resolver casos de violência. Assim surgiu a Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa, atuante em São Luís. A rede de proteção da pessoa idosa passou a ser entendida como um sistema que organiza pessoas e instituições, tanto do poder público como da sociedade civil, em torno de um objetivo comum”, disse.
Violência patrimonial e física são os tipos mais comuns de crimes cometidos contra idosos no estado, afirmou Alenilton Santos:
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“Com base nos dados coletados até o momento, os tipos mais comuns de abuso registrados em investigações envolvem principalmente a violência patrimonial e física. Essas situações incluem casos de maus-tratos, abandono material e apropriação indevida de cartões previdenciários. Isso indica uma preocupante tendência de exploração financeira e agressões físicas contra as pessoas idosas em nosso estado. É importante que esses dados sirvam como um alerta para a necessidade de ações mais eficazes e prevenção, conscientização e proteção da população idosa contra a violência”.
Estatuto da Pessoa Idosa: 20 anos
Nos 20 anos de promulgação do Estatuto da Pessoa Idosa, comemorados em outubro deste ano, 118 artigos foram destinados à promoções e garantias para quem deseja envelhecer no Brasil. A partir deles, pessoas a partir dos 60 anos tiveram estabelecidos, por exemplo, direitos como o atendimento preferencial em bancos e órgãos públicos.
Alenilton Santos qualifica o Estatuto como um passo institucional importante para a evolução das discussões sobre o envelhecimento na sociedade brasileira. Passadas duas décadas, a promulgação ganha ainda mais força, uma vez que a população de idosos, no país, tende a crescer, diz ele, que não desconsidera, porém, a necessidade de que as discussões sobre a desigualdade social avancem ainda mais.
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“O envelhecimento da população brasileira está ocorrendo em meio a desigualdades significativas. Muitas pessoas idosas não conhecem ou não têm condições de exercer os direitos assegurados pelo Estatuto. Nos últimos 20 anos, a população idosa no Brasil dobrou, e estudos indicam que o país terá uma grande parcela de pessoas idosas até 2050. No entanto, a sociedade precisa passar da comemoração para a ação. Políticas públicas mais eficientes e inclusivas são necessárias, levando em consideração as desigualdades sociais. A atitude individual também desempenha um papel importante na mudança de percepção sobre o envelhecimento. A população idosa merece dignidade e respeito, e é essencial que todos contribuam para isso. Apesar dos avanços, a discriminação e etária persiste, prejudicando a qualidade de vida das pessoas idosas”, afirma.
O promotor de Justiça destaca ainda aquele que, para ele, é o parágrafo mais importante do Estatuto:
“Podemos dizer que o artigo mais importante do Estatuto [do Idoso] é o terceiro, pois ele define que ‘é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária’.
Saúde: idosos e o Maranhão
Os idosos, em condições de violência, sequer pressentem, por vezes, os riscos aos quais estão envoltos. As vulnerabilidades que o tempo impõe – em particular, na saúde física – restringem ainda a tomada de ações para defesa pessoal.
Essas colocações, ditas pela geriatra e professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Jacira Serra, ilustram um caminho sinuoso para haver garantias plenas no bem-estar dos idosos do estado.
“Não é sempre, mas, a maior parte das vítimas de violência são mulheres, acima dos 70 anos, e o maior número de agressores são homens, adultos ou jovens, de confiança delas; pessoas que moram com elas. Então, um dos maiores desafios é fazer a denúncia contra os agressores. Às vezes, fica difícil o idoso ou a idosa entender que está sendo vítima de um tipo de violência”, explica.
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Para a geriatra, a violência ainda ultrapassa as definições institucionais, estando presente em um cotidiano de ausências, sentido, diz ela, desde as longas filas para marcações de consultas à invisibilidade do idoso em sociedade.
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“Você só conseguir uma consulta em alguns meses, chegar ao médico, que não veio, e pensar que vai se vai ficar na fila mais uma vez? O local não acolhe direito; não recebe direito. Então, são coisas que acontecem com alguma frequência. E não tem acessibilidade, né? Um banheiro acessível, não tem uma entrada acessível, então são coisas que o idoso nem percebe que são um tipo de violência”, reflete.
Jacira Serra destaca, ainda, que, em meio aos desafios socioeconômicos presentes no Maranhão, que forjam tipos diversificados de envelhecimento, um modelo biopsicossocial (de extensão dinâmica, em áreas biológicas, psicológicas e sociais) é uma possibilidade viável para garantir um envelhecimento com equidade.
“Essas práticas para promover uma qualidade de vida, uma qualidade de vida biopsicossocial, são uma luta pela implantação e implementação das políticas em todas as instâncias. É a luta por uma cidade acolhedora, porque não vai adiantar envelhecer se não puder sair de casa; alimentação balanceada; atividade física e atividade mental”, reitera.
Sobre a atenção e os cuidados necessários para a identificação de idosos que estejam sofrendo algum tipo de violência, a geriatra alerta para alguns dos principais indicativos:
“Um hematoma, uma laceração na pele, a roupa mal cuidada, o corpo sujo, má higiene, a dentição, com má higiene, o idoso sempre desidratado e desnutrido, a casa suja… então, essas coisas começam a chamar atenção de que o idoso possa estar sofrendo algum tipo de violência”, conclui.
Como denunciar
Além do Disque 100, as denúncias de violência contra idosos podem ser feitas na Ouvidoria do MP-MA. Os números disponíveis são:
Disque 127 ou 0800-0981600
WhatsApp: (98) 99137-1298
*Sob supervisão de Rafael Cardoso, g1 MA.
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